Imposto Seletivo: natureza jurídica e função extrafiscal no ordenamento brasileiro

Atualizado em | 8 min de leitura

Entenda a natureza jurídica do Imposto Seletivo e sua função extrafiscal no ordenamento tributário brasileiro.

8 min

O Imposto Seletivo (IS), criado pela EC 132/2023, tornou-se central no debate sobre o novo sistema tributário brasileiro. Mesmo pendente de regulamentação, já se destaca por sua função extrafiscal: regular comportamentos econômicos e desestimular produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. 

Alinhado a tendências globais, o IS corrige distorções em que o preço de certos bens não reflete seus custos sociais. Ao tributar atividades prejudiciais, o tributo busca influenciar padrões de consumo, incentivar práticas sustentáveis e reduzir impactos coletivos. 

Por isso, compreender sua natureza jurídica é essencial para empresas e profissionais que precisam se adaptar às novas exigências do modelo tributário.

A base constitucional do Imposto Seletivo

A Reforma Tributária brasileira, promulgada pela Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023, redefiniu o sistema de tributação sobre consumo.

Nesse novo desenho, foi introduzido o Imposto Seletivo (IS), um novo tributo federal.

Ele está diretamente vinculado à substituição de tributos antigos, como o IPI. A finalidade principal do IS não é a arrecadação de receita. Seu foco é predominantemente regulatório e de intervenção econômica.

Na redação da EC, o IS incide sobre bens e serviços que são considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

O IS estabelece uma ferramenta moderna de intervenção do Estado sobre determinadas atividades econômicas.

Previsão na Emenda Constitucional 132/2023

A Reforma Tributária brasileira, promulgada pela Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023, redefiniu o sistema de tributação sobre consumo.

Nesse novo desenho, foi introduzido o Imposto Seletivo (IS), um novo tributo federal. Ele está diretamente vinculado à substituição de tributos antigos, como o IPI. A finalidade principal do IS não é a arrecadação de receita. Seu foco é predominantemente regulatório e de intervenção econômica.

Na redação da EC, o IS incide sobre bens e serviços que são considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

O IS estabelece uma ferramenta moderna de intervenção do Estado sobre determinadas atividades econômicas.

O Imposto Seletivo é de competência exclusiva da União. Ele está sujeito a uma regulamentação posterior por meio de Lei Complementar. Essa lei definirá alíquotas, base de cálculo e a lista exata de bens e serviços tributados.

A natureza extrafiscal do IS é sua característica definidora, separando-o dos tributos de função primariamente arrecadatória.

Para entender como as regras serão implementadas e o cronograma, leia também: “Reforma Tributária: cronograma completo até 2033”.

Competência da União e limites de atuação

A competência exclusiva da União confere uniformidade nacional à sua aplicação. Isso evita a guerra fiscal e a fragmentação que historicamente marcaram outros tributos.

Entretanto, essa competência não é ilimitada. A própria Constituição estabelece parâmetros que restringem a atuação estatal. Entre os limites constitucionais, destacam-se:

  • Vinculação do Fato Gerador: Apenas bens e serviços considerados nocivos podem ser tributados.
  • Finalidade Predominante Regulatória: O objetivo central deve ser induzir ou desestimular comportamentos, não apenas gerar receita.
  • Proibição de Incidência em Cascata: O IS não integra a base de cálculo dos novos impostos sobre o consumo (CBS e IBS).
  • Monofasia: O IS deverá incidir uma única vez ao longo da cadeia produtiva.

Além disso, o tributo deve respeitar os princípios gerais da tributação: legalidade, anterioridade, isonomia e vedação ao confisco. Assim, o Imposto Seletivo não pode ser usado como instrumento arbitrário de aumento de carga.

Sua aplicação deve sempre guardar proporcionalidade com o dano social ou ambiental que visa corrigir.

Leia também: “Reforma Tributária: o que muda no IBS e CBS”

Natureza jurídica do Imposto Seletivo

A natureza jurídica do Imposto Seletivo é a de um tributo com foco em extrafiscalidade. Isso o distingue dos tributos estritamente fiscais, cuja única missão é financiar o Estado.

Tributo com finalidade não arrecadatória

O IS é um tributo cuja característica central é sua extrafiscalidade (ou função regulatória). Sua missão prioritária não é a de financiar o orçamento público, mas a de influenciar comportamentos no mercado.

Tributos extrafiscais são usados pelo Estado como ferramenta de política pública. 

Eles servem para estimular ou desestimular práticas econômicas específicas. O IS busca moldar hábitos de consumo e induzir mudanças estruturais em setores inteiros.

No caso do Imposto Seletivo, a lógica é nítida: produtos poluentes ou nocivos à saúde sofrem maior tributação. Essa oneração os torna menos atrativos economicamente para o consumidor.

A receita arrecadada é uma consequência desse desestímulo, e não seu propósito principal.

Saiba o que um sistema de gestão pode fazer por você em: “Reforma Tributária: é possível calcular IBS, CBS e IS no ERP?”. 

Fundamentos de tributação seletiva no direito brasileiro

A seletividade enquanto critério fiscal não é uma novidade no sistema brasileiro.

O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) já utilizam a seletividade.

Neles, a alíquota varia conforme a essencialidade do bem.

O Imposto Seletivo, porém, amplia essa lógica de forma inédita.

Ele assume explicitamente a função de corrigir externalidades negativas.

Externalidades são os danos sociais e ambientais cujo custo não é refletido no preço final do produto.

Exemplos clássicos de fundamentos seletivos que podem ser aplicados ao IS:

  • Bens cuja produção ou descarte gera alto impacto ambiental ou climático.
  • Produtos que comprovadamente afetam a saúde pública (fumo, álcool, açúcares).
  • Serviços que contribuem para poluição ou esgotamento de recursos naturais.

Assim, a seletividade do IS parte da premissa econômica de que o preço de determinados bens precisa refletir, de fato, seu custo social integral.

Função extrafiscal e sua importância

A extrafiscalidade é o coração da reforma do Imposto Seletivo. 

Trata-se da capacidade do Estado de direcionar escolhas privadas através da oneração tributária. Ao encarecer certos produtos ou serviços, o Estado influencia diretamente diversos agentes.

Regulação de comportamentos econômicos

O IS modula as decisões de consumo, reduzindo a demanda por produtos nocivos. Também afeta as estratégias empresariais, incentivando a inovação e a busca por alternativas sustentáveis.

Cadeias produtivas inteiras são incentivadas a reformular seus processos. O objetivo é reduzir os impactos ambientais e sanitários. Com isso, o IS funciona como um mecanismo indireto de regulação.

Em muitos casos, ele se prova mais eficiente do que proibições diretas ou normas administrativas rígidas e complexas.

Correção de externalidades negativas

Externalidades negativas são os efeitos prejudiciais ao coletivo que não são arcados pelo produtor ou consumidor.

Um exemplo é o custo de tratar doenças respiratórias causadas pela poluição industrial.

O Imposto Seletivo busca corrigir essa falha de mercado. Ele se baseia no conceito econômico de impostos pigouvianos, visando a “internalização do custo”.

A tributação seletiva, ao internalizar o custo social no preço do produto, torna o preço mais honesto. Isso reduz os incentivos econômicos para práticas prejudiciais. Consequentemente, estimula a transição para modelos de produção e consumo sustentáveis.

Esse mecanismo torna os produtos socialmente indesejáveis menos competitivos, favorecendo alternativas mais responsáveis.

Setores impactados pela seletividade

Embora a Constituição não liste setores específicos, a lógica regulatória do Imposto Seletivo permite inferir quais atividades serão alcançadas.

A incidência ocorrerá sobre bens e serviços onde as externalidades negativas são mais relevantes.

Indústrias de alto impacto ambiental

Atividades com impacto ambiental relevante tendem a ser as primeiras a serem atingidas. A expectativa é que o IS incida como um tributo verde ou imposto sobre o carbono.

Exemplos de setores com externalidades negativas ambientalmente reconhecidas:

  • Indústria petroquímica, de refino e de combustíveis fósseis.
  • Mineração, especialmente em áreas de alto risco ambiental.
  • Produção de plásticos virgens e embalagens de difícil reciclagem.
  • Indústrias de grande emissão de CO₂ ou outros gases de efeito estufa.
  • Setores geradores de resíduos tóxicos ou de difícil gestão e descarte.

Para essas empresas, o IS tende a gerar um maior escrutínio regulatório e fiscal. Haverá a necessidade de investimentos massivos em sustentabilidade e tecnologias limpas.

Isso pressionará a readequação de toda a cadeia produtiva, incentivando a logística reversa e a economia circular. Ao tributar produtos poluentes, o IS funciona como um instrumento direto de política ambiental e combate às mudanças climáticas.

Produtos prejudiciais à saúde

O Imposto Seletivo também deve atingir o consumo de bens que sobrecarregam o sistema de saúde pública. O custo social desses bens (tratamentos, internações) é rateado por toda a sociedade (SUS).

Produtos comumente considerados nocivos em políticas fiscais internacionais:

  • Cigarros e todos os derivados do tabaco.
  • Bebidas alcoólicas (impostos específicos sobre o teor alcoólico).
  • Bebidas açucaradas (refrigerantes e sucos com adição excessiva de açúcar).
  • Alimentos ultraprocessados com alto teor de sódio, gorduras saturadas ou açúcares.

O objetivo é reduzir o consumo desses itens que contribuem para doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes e outras enfermidades crônicas.

Em termos socioeconômicos, a tributação majorada pode gerar:

  • Diminuição efetiva da demanda de consumo.
  • Incentivo da indústria à reformulação dos produtos (menos açúcar, sal, etc.).
  • Aumento do investimento em pesquisa e em alternativas nutricionais saudáveis.
  • Sustentação de políticas públicas voltadas à saúde preventiva e bem-estar.

A GestãoClick possui o dicionário completo da Reforma Tributária! Leia agora: “Dicionário da Reforma Tributária: todos os termos que você precisa saber”. 

Conclusão: a extrafiscalidade como pilar do novo modelo de tributação

A criação do Imposto Seletivo representa um marco significativo na reorganização do sistema tributário brasileiro. Mais do que uma nova fonte de receita para a União, o IS é um instrumento de política pública.

Ele está voltado ao reequilíbrio entre a atividade econômica e o interesse coletivo. Sua essência é inegavelmente extrafiscal. Isso significa que:

  • Sua razão de existir é regular comportamentos e não apenas financiar o Estado.
  • Ele busca corrigir os danos sociais e ambientais que o mercado, por si só, não consegue resolver.
  • Seu uso é coerente com as tendências globais de tributação verde e saúde preventiva.

Ao incidir sobre produtos nocivos, o Imposto Seletivo internaliza custos sociais. Ele promove a sustentabilidade e protege a saúde da população de forma coordenada.

Trata-se de um tributo que dialoga diretamente com a necessidade de modernizar a estrutura produtiva do país. O IS aproxima o sistema tributário brasileiro dos padrões internacionais de governança socioambiental.

Assim, a extrafiscalidade não é apenas uma característica do Imposto Seletivo. Ela é o pilar fundamental que sustenta sua função no novo modelo de tributação.

É por meio dela que o tributo poderá realmente cumprir seu propósito constitucional: estimular práticas econômicas responsáveis e contribuir para um desenvolvimento mais equilibrado e sustentável.

Esther Lago
Esther Lago é advogada. Escreve materiais claros e acessíveis sobre Direito Tributário, contribuindo para a compreensão segura e objetiva das principais mudanças, obrigações e impactos na legislação fiscal.
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também

Confira outros artigos que vão te ajudar a aumentar as vendas e melhorar a gestão do seu negócio.

Venda mais com o GestãoClick

Explore todas as vantagens por 10 dias sem compromisso – Experimente agora!

  • No mínimo 8 caracteres
  • Letras maiúsculas e minúsculas
  • Pelo menos um número
  • Pelo menos um caractere especial